terça-feira, 7 de dezembro de 2010



Ora bem, como podem ver, na foto estão presentes duas guitarras e um monte de papéis no meio delas. Essas guitarras são duas das minhas três. A de cima eu dei o nome de Ben|ny|, a de baixo dei o nome de Hippie Hendrix e a outra guitarra que não está presente, que é a mais recente, também bastante importante, dei o nome de David|mar|. Ora vejamos porque raio dei estes nomes esquisitos a elas... A Ben|ny| recebi-a por volta do meu quarto ou quinto ano, portanto, há cerca de dez anos. Foi comprada na Feira de Artesanato do Estoril e tem um valor enorme para mim por várias razões. Foi a minha primeira guitarra, só minha mesmo (porque tinha a Hippie Hendrix, mas essa era do meu pai). Foi feita à minha frente na barraca onde a comprei, o que lhe dá um valor extraordinário. É uma guitarra bastante elogiada por vários fabricantes de guitarras e até já se ofereceram para a comprar várias vezes, se eu não a quisesse. No entanto, na altura em que os meus pais ma compraram, eu ainda tinha as mãos muito pequeninas para ela. Mais tarde, então, os meus pais ofereceram-me uma guitarra minúscula para eu poder tocar. Mas nunca lhe liguei nenhuma! A Ben|ny| esteve durante muito tempo encostada a um canto e só o meu pai tocava nela e a guitarra pequenina, acho que nunca lhe dei grande uso e acabei mesmo por dá-la a uns primos. Cheguei, então ao meu décimo ano, em que mudei de escola e me senti com mais tempo. Perto do Natal desse ano de 2007, eu estava muito bem no meu cantinho a jogar computador e o meu pai chega-se ao pé de mim e começa a tocar na Ben|ny| e fiquei interessado a ouvir. "Afinal, esta guitarra tem um belo som", pensei eu. Nessa tarde, o meu pai ensinou-me três acordes. A partir daí comecei a tocar todos os dias, sempre esses três acordes, variando os ritmos e a ordem com que os tocava. Nesse Natal, recebi um livro com 1000 músicas para aprender na guitarra. Foi aí que descobri mais acordes também fáceis, como o Sol, o Dó e o Ré, que mais tarde se tornou o meu acorde preferido. Por essa altura comecei a dar-me imensamente bem com a Margarida Quaresma, que tinha conhecido em 2006 numa viagem a Inglaterra. Já nessas duas semanas fantásticas nos tínhamos dado muito bem e, finalmente em 2008 nos reencontrámos na escola e, com isso, formámos uma banda: Tears Of Shadow At Sunrise. Eu, ela e a Joana Neves, que toca piano e era a melhor amiga da Margarida (mais tarde, se tornou a minha melhor amiga também). Comecei a compor desde aí e a criar músicas a partir das letras que elas escreviam. Ainda tenho muitas gravações antigas, algumas com músicas que ainda tenho de explorar melhor, pois têm algum potencial. Mas aconteceu uma desgraça com a minha guitarra... Um dia, quando cheguei da casa de um amigo meu com a guitarra, abri a bolsa onde ela vinha e a guitarra estava completamente partida, com um corte gigante desde uma extremidade da curva até à outra. Fiquei destroçado e durante muito tempo não toquei como deve ser. No entanto, mais tarde peguei nela de novo e tocava e gravava com ela na mesma. Mas já começava a ter as cordas desafinadas e a abrir cada vez mais o buraco. Chegou então a David|mar| no meu aniversário e aí formou-se uma revolução nas minhas gravações. Mas nunca larguei a Ben|ny|, e um dia fui mandá-la arranjar. Quando voltou, parece que voltou nova! Mais uma vez, voltei a tocar nela e hoje é a minha guitarra de eleição de novo, visto que a David|mar| tem o braço torto, o que também me deixa triste. Mas vocês devem estar a perguntar-se "mas porquê Ben|ny|"? Ora vejamos, este nome foi dado no décimo ano, quando eu ouvia imenso a música do Ben Harper com a Vanessa da Mata - Good Luck/Boa Sorte. Sempre me marcou muito essa música, desde o início. Comecei a pesquisar sobre o Ben Harper, apesar de já o conhecer antes dessa música e fiquei fã mesmo. O Ben Harper é uma das razões da minha escolha para o nome. O Ben Moody também foi uma grande influência para o nome que escolhi. Quando fui a Londres em 2006, fiquei maravilhado com o Big Ben e essa também foi outra razão da minha escolha. A minha professora no curso de Inglês que tirei nessa viagem chamava-se Benny e eu gostei bastante dela. Um colega da minha turma desde o décimo ao décimo primeiro ano, chamava-se Bernardo, mas todos chamavam-no Benny e foi uma grande influência para mim no que diz respeito a pesquisar sobre música. Muitas bandas conheci por causa dele. Muitas bandas estudei para conhecer mais e mais e ele foi uma grande ajuda para mim. Foi estas razões que dei o nome de Benny à minha guitarra com o "ny" entre | | para separar os Ben dos Bennys.
Quanto à Hippie Hendrix, tem já cerca de 26 anos e foi do meu pai (e ainda é, mas também é minha). Essa guitarra já foi com o meu pai para grandes viagens e já caiu das escadas abaixo, mas nunca se partiu! Ainda está inteira, apesar do braço já estar um pouco empenado. Chamei-lhe de Hippie Hendrix porque era da altura do Jimi Hendrix e dos Hippies o que lhe dá um valor incondicional!
As guitarras podem contar muitas histórias da nossa vida, daí termos de cuidar muito bem delas. Nunca largarei a Ben|ny|, por mais guitarras que tenha, porque será sempre uma guitarra muito especial!
Esse molho de papéis é o conjunto de todas as letras que criei, que criaram para mim e de músicas de outros artistas acumuladas desde o meu décimo ano. Pode-se dizer que já me perco no meio de tão grande imensidão de letras!
Espero não ter sido aborrecido a contar estas histórias, mas são algo de muito importante para mim e achei que deveria partilhar com vocês! Muito obrigado pela atenção!

domingo, 21 de novembro de 2010

Vida Urbana, ou Vida?


Um quarto vazio, apenas com cortinados leves esvoaçando com o vento que entra pela janela entreaberta. Um ruído resultante das vidas misturadas que passeiam lá em baixo entranha-se pelo silêncio do quarto, dando-lhe um clima urbano calmo. A porta do quarto está encostada, mas não fechada. A corrente de ar causa um batuque irregular da tranca da porta a bater na ombreira. O quarto apenas está mobilado com uma mesinha de madeira e um jarro de cristal com uma tulipa a baloiçar na água já suja. Vem uma rajada mais forte que as outras e leva uma pétala da flor que segue pela janela fora.
Lá vai a pétala a baloiçar, procurando o equilíbrio no muro de vento líquido ou gasoso até descer ao nível dos vultos que passeiam na rua. Atravessa os sorrisos da gente nova, atravessa os olhares tristes da gente velha. Atravessa a cabeças incansáveis dos gatos a explorarem tudo em seu redor e os focinhos dos cães que farejam em busca do dono. Atravessa os senhores que andaram na guerra e pedem esmola pela perna que perderam. Atravessa os homens que com a sua guitarra fazem o pé-de-meia para sobreviver à custa do divertimento dos outros. Atravessa as senhoras que gritam na rua a qualidade dos seus peixes. Atravessa o medo do homem que roubou a carteira anteriormente fechada numa mala. Atravessa o desespero do homem que a perdeu. Atravessa as lojas de sucesso e as lojas invejosas desse sucesso. E por fim, arrasta-se pelo chão, quando o vento não consegue mais. No chão fica, abandonada, a murchar cada vez mais, perdendo a cor que uma vida dá, apenas vivendo sem viver e esperando um acaso da vida ou o destino.
Surge o primeiro. Um menino pega na pétala e começa a correr, tropeçando-se devido ao seu pouco tempo de vida. Grita à mãe no meio de risos de felicidade pela sua descoberta. Levanta a mãozinha na direcção do olhar da mãe procurando uma resposta. A mãe pega na pétala e sopra na direcção do vento para que voe essa pétala murcha e sem cor. Diz que já não tem interesse e muitas mais há, mais bonitas até. O menino olha a pétala triste da sua perda. Mas não por muito tempo. Segundos depois já pulava e saltava de alegria pela folha seca que descobrira. E a nossa pétala voa para onde o vento a manda, perdendo-se no infinito do mundo.
As nuvens não aguentam mais o seu peso suspenso, começando a cair vertiginosamente. Forma-se a chuva. Os pingos molham a gente nova que começa a correr em busca de abrigo nos cafés. Molham a gente velha que abre o chapéu-de-chuva protestando contra o clima do país. Molham os gatos que se abrigam debaixo dos caixotes do lixo comendo os restos do peixe deixado pela gente. Molham os cães que correm em busca de poças para brincar, sacudindo as orelhas molhadas. Molham os senhores sem uma perna que ficam sentados por baixo da varanda maldizendo a chuva por impedir a angariação dos seus fundos de sobrevivência. Molham os homens que tocavam e agora arrumam a guitarra e os trocos ganhos para os ir gastar no chocolate quente do café mais próximo. Molham as senhoras que desfazem as tendas do seu peixe, enviando pragas à chuva por estragar o negócio. Molham o homem que ia para casa com a carteira roubada, mas abrigou-se da chuva num café. Molham o homem que a perdeu e encontrou o assaltante em pleno café, recuperando a carteira. Molham os vidros das lojas cheias de gente, dando graças à chuva. Molham o menino com cara molhada de lágrimas e da chuva. Molham a nossa pétala que recupera a cor e a vida e dá graças à chuva, não pelo dinheiro que vai conseguir, que de nada lhe serve… mas sim pela vida que esta lhe devolveu!

Miguel Cruz
21 de Novembro de 2010

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Impurezas

Aqueles que foram,
Aqueles que são.
Aqueles que eram
E que já não são.
Sinto uma brisa fresca acariciar-me as feições. Respiro-a.
Sinto as ervas por cortar dançarem com as minhas pernas.
Verde, verde, verde... Olho para cima. Azul... Luz... Primavera...
Mas uma nuvem negra tapa o olhar do Sol. Olho para baixo e a uns metros de mim encontra-se uma grade que desenha um enorme quadrado. Aproximo-me.
Castanho... Sujo... Escuro... Por cima da grade, arame farpado.
Apuro o ouvido e ouço berros de desespero, berros de fúria, berros de morte. O cheiro a carne esturricada invade-me. Viro a cara bruscamente.
Verde, verde, verde... Alívio. Respiro fundo. Começo a andar para a direita, devagar, ao longo da grade. No chão, do lado de dentro, uma frase...
Aqueles que foram,
Aqueles que são.
Aqueles que eram
E que já não são.
... escrita na areia, possivelmente com a ponta dum dedo ensanguentado.
Na grade, uma placa...
PERIGO! Raça impura!
... pendurada, possivelmente limpa... Mas só por fora.
Continuei a andar...
Aqueles que foram...
Olhei à volta. Cadáveres espalhados pelo chão...
Aqueles que são...
Parei. Uma voz rouca lamentava-se do lado de dentro. Olhei. Uma criança de oito anos, suja, caída no chão. Fiquei a olhá-la atentamente. Senti uma gota a cair-me dos olhos sem ter dado por isso. De repente, ouvi um estalo. Olhei para cima. Um guarda, bem vestido, limpo, com um chicote na mão. A criança desatou a correr, com a mão poisada na nuca.
Aqueles que eram...
Um homem acolheu a criança nos braços. Tinha ar de médico. Tentou começar o curativo na nuca do menino. Um estrondo. Uma bala trespassou o homem que caiu com a criança nos braços, a protegê-la.
E que já não são...
O guarda levantou a arma, apontando para a cabeça da criança.
PERIGOSO! Raça impura!
Peguei numa pedra e atirei. O guarda caiu. A criança correu na minha direcção, atirou-se para a grade para a subir. Um berro de desespero disparou-a para trás. Ainda se ouvia a electricidade das grades. À minha frente, três corpos, sem vida.
Um corpo, debruçado, protegento algo que já lá não estava. Fora médico, agora tratado como um animal caçado.
Um corpo, pequeno, inocente, frágil, sujo. Caído no chão, electrificado. Sujo por fora, puro por dentro.
PERIGOSO! Raça impura!
Um corpo, grande, forte, limpo. Limpo por fora, sujo por dentro.
Virei-me, novamente bruscamente.
Verde, verde, verde...
Aqueles que foram,
Aqueles que são.
Aqueles que eram
E que já não são.
Não há raças, há ideais.
Sinto uma brisa acariciar-me as feições.
Respiro-a...

Miguel Cruz
18.01.2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Destino

Tenho de agradecer à mãe Natureza por estar sempre a mudar! Sou um girassol preso ao chão, sem poder mover-me! Mas há sempre algo de diferente. Todos os dias tenho amigos novos que me visitam. Todos os dias o vento muda de direcção e inclina-me para ver novos horizontes. Todos os dias o horizonte é diferente e os sonhos mudam. Todos os dias o orvalho acaricia as minhas folhas ao acordar e embala-as ao adormecer. Todos os dias vejo fechar-se mais um capítulo da eterna história dum amor impossível quando o Sol se despede da Lua e olha para ela até algum desaparecer no horizonte. Todos os dias as nuvens desenham-se em novas formas. Todos os dias são diferentes e é isso que me faz partir para a descoberta! É o que me dá esperança e motivação para viver! Tal como o Sol que espera pelo eclipse para sentir a Lua na sua pele, eu espero pelo meu destino para sentir a felicidade na minha pele!

Miguel Cruz
14.06.2010

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Calor de Criança




Escrevo este texto num papel comido pelo fogo, mas que ainda tem linhas traçadas para se escrever. Aquilo que vou contar é um pedaço da minha alma. Mas não essa! Outra…

O sol embrenhou-se no seu lençol gigante de água, despedindo-se de mais uma tarde calma e transparente. Uma criança pequena corria descalça ao longo da costa, levantando a cada passo um pedaço da areia da praia. Corria de braços abertos e um sorriso que não era, nem por sombras, capaz de se desviar. Os olhos piscavam, queixando-se do vento contra. As suas gargalhadas seguiam viagem com as ondas para enviar felicidade a outras bandas.

Um monte em forma de castelo fugia do padrão da areia, atravessando-se no caminho da sua corrida. O seu pé branco e delicado bateu como um tronco de arrombamento nos muros do castelo. Um gigante tombou tapando a vista à princesa presa na torre mais alta. “Ora, não faz mal! Afinal, era só um monte de areia”, despreocupou-se a menina rodando o corpo para o céu à procura de estrelas. Ainda nada se via, a não ser uma meia-lua desfasada pelas poeiras do ar.

Os longos caracolinhos da criança desenrolavam-se suavemente à passagem dos seus dedinhos distraídos. Ao longe encontrava-se a sua casinha modesta com a janela do quarto dos pais aberta na direcção do mar. Apenas se via uma luz quase invisível que tremelicava pelas paredes. O seu pai estaria certamente a escrever mais um dos seus textos em que reflectia sobre tudo e nada, apenas iluminando o pensamento com a tímida chama da vela.

Quando a criança se levantou olhou distraidamente para as ruínas do castelo e reparou com surpresa que a torre mais alta resistira ao ataque do gigante. “Adeus, princesa!”, sussurrou enquanto se afastava em direcção a casa.

Já não ia a correr. Os seus olhos esverdeados empurraram o olhar para o mar. Cada onda que se desfazia, deixava as suas gotas vestigiais em homenagem à anterior. Desviou o olhar rapidamente. Não se queria lembrar do avô que desaparecera e nunca mais tinha brincado com ela. Nunca mais a tinha levado a pescar nem nunca mais estivera com ela à procura das conchas mais bonitas da praia. As dela eram sempre as mais lindas, “Tal como tu!”, dizia o avô com o seu sorriso amável.

Mas não se podia lembrar destes momentos que nunca mais haveria de passar com ninguém. No entanto, já os olhos fabricavam mais uma lágrima cristalina e salgada, como o mar, com todo o carinho que tinham para dar. Logo um dedo a foi buscar. Mais uma memória que se evaporava com o calor do seu coração.

Já corria de novo pela praia de braços abertos e sorriso estampado. É este o pedaço de alma a que me referia… imaginação, à luz da vela!




Miguel Cruz

25.02.2010