segunda-feira, 21 de julho de 2008

Fervor do Desejo

Andava por ali, distraído. Olhava para todos os lados à procura de qualquer coisa que nem eu sabia. Um quadro aqui, um candeeiro ali, um sofá acolá… Era um quarto simples e vulgaríssimo!
Tinham-me mandado pesquisar qualquer coisa que estivesse estranha naquele quarto.
Olhei mais atentamente para os quadros. Reparei que um retratava uma menina com um sorriso parecido com o meu. Olhei com mais atenção. Os seus olhos esverdeados desenhavam-se num olhar vivo, feliz, descobridor e confiante. O cabelo aloirado dava um toque subtil à menina. Mas havia qualquer coisa ali naquele retrato que me trazia uma lembrança muito forte, muito viva!
Eu já tinha 45 anos e trabalhava em criminologia. Estava a pesquisar o caso de um doido assassino. Eu acreditava que tinha de haver uma razão para ele ser assim. Ele tinha uma lógica incomodativa aos meus pensamentos. Tudo o que ele fazia me trazia recordações.
Olhei mais intensamente para o retrato. Não vi nada de novo. Tirei o retrato da parede e virei para ver o verso:
“Eras tão perfeita! Apesar dos teus defeitos, eras a pessoa mais importante para mim! Não deste o devido valor a isso e magoaste-me como nunca ninguém o fizera! Agora sofreste as consequências! É impossível estar feliz depois do que te fiz, mas o que me faz sorrir no meio disto é que a última palavra que ouviste foi “amo-te”, vinda de mim. Sei que sorriste e deixaste a cabeça cair para o lado. Deixaste o mundo, sabendo o quanto te amei e a razão pela qual fiz isto! Eras tudo! Amo-te, minha deusa!”.
Olhei para esta dedicatória de queixo caído!
Pensamentos e recordações voavam desorientados na minha cabeça. Olhei para o retrato… Era ela! A minha melhor amiga, aquela que se tornara minha irmã! Aquela quem eu amava mais que tudo! Foram três anos de conhecimento. Três espectaculares anos com ela! No dia em que eu fazia anos eu ia ter com ela para ir buscá-lo para um passeio. Mal entro em casa dela, a mãe dela veio a correr desesperada para mim, com as lágrimas a escorrerem-lhe pelas faces. Abraçou-me com quantas forças tinha. Eu fiquei assustado e, sem saber o que acontecera, estava preocupado em consolá-la. Soluçava por todos os lados.
— Ela…
— Que lhe aconteceu? Por favor, diga-me!
— Ela… Ela desapareceu!
Depois disto, largou-me e correu para o quarto. Não sabia o que fazer… Entrei no quarto dela. Olhei para as fotografias na parede. Estava lá eu, em algumas fotografias.
Olhei para a guitarra em que tantas vezes tinha tocado com ela.
Tudo… Tudo estava perdido! Uma lágrima fugiu. A lágrima mais pesada que saíra do meu olhar! Deitei-me na sua cama e fiquei a chorar durante largas horas. Quando já estava com os olhos inchados, reparei que havia um bilhete debaixo da almofada. Um bilhete que dizia exactamente o que tinha lido no retrato!
Um fervor de raiva invadiu-me. Agarrei com todas as minhas forças o quadro e gritei! Tal como fizera 29 anos atrás! A minha melhor amiga, a minha irmã, foi arrancada de uma vida feliz por causa do sentimento de amor não correspondido de um doido… Um doido que fora o meu melhor amigo, o meu irmão!
Olhei para a fotografia que estava na parede com nós os três! Um sorriso sarcástico surgia dos seus lábios! Uma explosão de raiva dominou-me! No momento em que li o bilhete só queria vingança para depois me poder matar!
No entanto, durante dois anos procurei-o e nada de sinais dele. Tinha fugido que nem um cobarde!
Segui com a vida e as recordações foram voando. Tornei-me detective, comprei uma modesta casa, casei com a minha melhor amiga e vivi feliz durante 29 largos anos.
Até que me deram um caso de um doido assassino para as mãos.
E lá estava eu, no quarto do meu pior inimigo, com o quadro da minha irmã na mãos… A minha irmã… Já longe daqui, desta vida!
Um véu escuro tapou-me os olhos. Só via o desejo de vingança à frente! Guardei o quadro, assumi o caso e planeei a minha vingança!
Ninguém que leve outra pessoa ao desejo de morte, merece uma vida feliz! Tinha de o descobrir!
A vingança é minha! É o orgulho pela minha irmã que está em causa!

Continua…


Miguel Cruz

28.06.2008

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